Me inspirei no trabalho da Stasya Korotkova, criadora do projeto Tela Queer (Квир-экран), que se propõe a catalogar o cinema queer russo e soviético e entender como a sexualidade e a expressão de gênero foram retratadas ali.
“Minha ideia inicial era criar uma linha do tempo completa da representação LGBTQ russa e soviética no cinema. Eu só queria ter esse tipo de catálogo e, como ninguém tinha feito isso por mim, comecei a fazer por conta própria. [...] Muitos dos filmes vieram do meu próprio conhecimento, outros foram sugestões de amigos.” — Stasya Korotkova
Apesar de não existir um ativismo LGBTQIA+ nos moldes ocidentais durante a URSS, a vida social queer existia. Existiam espaços informais onde pessoas da comunidade se encontravam, socializavam e criavam redes de apoio. Quem morava nas grandes cidades, como Moscou ou Leningrado, geralmente conseguia viver isso com um pouco mais de liberdade. Mesmo sob repressão estatal, havia quem reconhecesse essa pressão e, dentro do possível, tentasse resistir.
Hoje, as leis russas proíbem metade do conteúdo que esse cinema produziu. Justamente por isso, ele é tão revelador: mostra como mesmo em contextos restritivos era possível escapar dos papéis sociais fixos.
“Na maioria das vezes, os filmes são sobre outra coisa completamente diferente, e o queer aparece apenas em uma leve distorção do modo de vida tradicional, num cameo suspeito, num olhar de câmera que dura demais, numa prática particular que marca o protagonista como alguém fora do 'normal'. Por gerações, eles (nós) aprenderam a procurar sinais, a ler e projetar sentidos.”
(A Tela Queer, ou a lupa para a sociedade – Colta.ru)
Assim o cinema soviético encontrou formas criativas e ousadas de tocar em temas como identidade de gênero, desejo e sexualidade. Foi isso que me motivou a montar essa coletânea. Não é uma seleção óbvia, e talvez nem pareça queer à primeira vista. Mas pra quem aprendeu a se reconhecer nas lacunas, esses detalhes sempre foram guias.
A ideia aqui não é afirmar que todos esses filmes são LGBTQIA+. Mas sim reconhecer que o queer no cinema muitas vezes se construiu justamente na ausência, no silêncio, e que “decifrar, procurar minuciosamente por essas rachaduras na fachada heteronormativa é uma parte essencial da experiência de quem vê com olhos queer”.
A curadoria levou em conta algumas coisas: ambiguidade, personagens e dinâmicas que quebram o padrão heteronormativo, a recepção desses filmes pela comunidade LGBTQIA+ da Rússia e do Leste Europeu, e o contexto político e social da época.
Essa seleção é, acima de tudo, um convite: a olhar de novo. A decifrar esse cinema,com atenção, com sensibilidade.
COLETÂNEA - CINEMA QUEER SOVIÉTICO
Aviso: o perfil do Tela Queer no Instagram se encontra atualmente privado, e não tenho como confirmar se estão aceitando novas solicitações de seguidores no momento. Mas pra quem quiser ver o conteúdo do projeto, tem o canal deles no Telegram: t.me/queer_screen
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